AULA

   O sol surgia pela janela, anunciando que seria um dia bonito. Meus olhos marejam de sono, fazendo-me desejar que a aula acabe logo para que consiga dormir um pouco na biblioteca, antes de ir trabalhar. Sinto a exaustão aumentar enquanto o professor tagarela sem parar. Respiro fundo, apoiando minha cabeça na cadeira. E como um balde de água gelada, eu acordo. E as seguintes palavras me atingem: 

"Quantos de nós ficaremos com alguém que precisamos e não com quem amamos?" 

Observo ao redor, tentando perceber se outras pessoas também foram afetadas. Ele continua a falar fazendo todos na sala acompanharem atentamente: 

"É um mundo bem complexo. Ás vezes a pessoa que nós mais amamos nos destruirá. E só haverá conforto naquela pessoa que supre nossas necessidades. Não é sobre ser interesseiro. Não é sobre ganancia ou sexo. É sobre a ironia que nos ronda! É sobre ter que priorizar o que nos faz bem, o que nos leva para frente. É ser maduro, e ver que as vezes, o amor não basta." 

Engulo o seco.

"Observem está sala, as pessoas ao seu redor. Quantos de nós estamos esperando por algo que não irá vir? E quantos sem perceber, estão ganhando tudo o que precisa? Quantos tem algo que não é o suficiente? Fazendo-os sentir aquela sensação que falta algo. Quantos aqui ouvirão um mero e rápido "também" após dizer que ama? E quantos de nós esperaremos por um "eu te amo" de alguém que não pode nos dar este sentimento? Neste vasto futuro, quantos de vocês serão partidos? Quem aqui é amado por completo? E quem um dia, irá se sentir assim? Você ama alguém neste momento? ou você precisa de alguém neste momento?" 

Ajeito-me inquieta na cadeira. E ele prossegue: 

"Isso me faz pensar, quem está no rumo certo? E quem está perdido, o que faz? Alguém aqui chora no travesseiro em silencio? Hoje alguém dormiu com a sensação de calmaria no peito? Ou não dormiu preocupado com algo? Quantos neste momento, estão felizes com a pessoa que está do lado? E quem aqui sofre pela ausência de alguém? E lá se vem outra grande pergunta, onde aperta para voltar? Ou pelo menos, ter algumas respostas. Todos se conhecem, mas ninguém aqui conhece verdadeiramente alguém."

Sinto o momento que os olhos do professor atravessam os meus. 

"Quantos de nós viverá uma vida mediana? E quem de nós não viverá muito? Iremos realizar todos os nossos sonhos e planos? E quantos sonhos teremos que abrir mão ao longo do caminho? alguém aqui..." 

Ele caminha até a mesa, bebericando um pouco de água. E volta a falar:

"Alguém aqui desistiu do amor? Alguém aqui sente que sente demais? E quem não consegue sentir mais nada? Por ninguém. O que faz?"

Sinto vontade de levantar a mão, interrompendo-o. E sem perceber, ele finaliza a aula respondendo a minha pergunta.

"Quantos de nós ficaremos com alguém que precisamos e não com quem amamos? Eu particularmente, irei responder. Fique com alguém que cuide e que permita ser cuidado. Se é alguém que você ama ou se é alguém que precise. Somente você saberá. Somente você deve arcar com as consequências. Crescemos idealizando algo que muitas vezes não é real, e ninguém deve ou irá suprir nossas fantasias malucas. Abrimos mão e suportamos muita coisa em nome do amor. E muitas vezes, esperamos por algo que não irá vir. Não vai vir. Então fique com quem te faz ser uma pessoa melhor. E nem sempre está pessoa será o amor da sua vida. Ou será do jeito que idealizou. Mas ainda assim, isso te tornará alguém de sorte. Ou até se torne mesmo. Quem sabe?!  Até a próxima aula, pessoal." 

Observo todos levantarem caminhando para fora da sala. Enquanto aquelas palavras caminham para dentro do meu coração.



Milena Oliveira / Tráfico de Conselhos.