DEPOIS QUE TE DEIXEI.



   Admito ter gostado de ter saído por cima, sendo a pessoa que não foi valorizada e não amada o tanto que merecia. Admito o final triunfante da minha partida e o modo que isso alimentou meu ego, fazendo-me dormir satisfeita, por um tempo. Anunciei a todos o teu desdém, transformando-o em vilão. Mas o que ninguém vê, nem ao menos você, é que perdi a minha alma depois que te deixei. 
   Fragmentada, deixada pelo chão ao longo dos passos que pisei para longe. Eu parei de escrever, recitar poemas e decorar as estrofes favoritos de cada livro que gosto. Não tem quem possa me ouvir ou quem eu queira que escute, depois que te deixei. Eu perdi a fé no poder das palavras, depois que você se calou quando anunciei a minha partida, deixando-me ir mais rápido do que o tempo que levo para digitar essas palavras aqui. 
   Me banhei no rio de mentiras, fiz dos outros o meu curativo, fui tomada pela sede de viver e de provar o meu valor. Embriaguei-me na gandaia. E na manhã de ressaca, me afoguei na saudade. Por um longo tempo, depois que te deixei, fiquei anestesiada. Ainda que rodeada de pessoas, desejada por muitos, frequentando os melhores lugares e vestindo-me de amor próprio, ainda assim, a sua ausência me assombrava. Os planos que nunca serão concretizados, os filhos que nunca teremos, os teus fragmentos na minha rotina, me fazem ficar de luto pelo que nunca seremos. E luto todas as noites para não reconsiderar todos os motivos que me fizeram partir, mesmo sabendo que você é a única cura para esta tormenta. Te deixar me custou caro demais, tornando-me tudo aquilo que em ti eu detestava. E farei com alguém que ousar me amar o mesmo que você fez comigo. 

Até me deixarem. 




Milena Oliveira / Tráfico de Conselhos. 

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