É SOBRE TER VIVIDO DIFERENTE

Eu deveria ter me separado em 2000.
Deveria ter seguido os conselhos de todos ao meu redor, abrindo mão do que já
não era mais meu. Talvez, a minha caçula não amadurecesse tão rápido, não
agiria por aí como se aguentasse qualquer barra só porquê aguentou á do meu
casamento. Talvez, a minha filha do meio falasse mais comigo, não me olharia
com indiferença e não seria tão fechada para o mundo. E o meu filho mais velho me visita-se com mais frequência. Se eu tivesse sido mais corajosa
e não temesse a solidão, os meus filhos hoje veriam o que é essencial. É
sobre ter tirado deles a fé do amor, de ter um relacionamento saudável e
prospero. É sobre eu não ter me amado o bastante. Este texto é sobre o meu karma.
Ele não me olha como antes, não me vê a
anos. Dorme ao meu lado, mas não está ao meu lado. É sobre todos “e se” que me
rondam diariamente. É sobre sentir que estou na história errada. É sobre ter
esquecido o quanto o amei. É sobre enlouquecer. Eu falo sobre o quanto o apego e a rotina podem nos confundir, fazendo-nos parar no tempo. É desejar noites de sono melhores,
sobre não chorar no telefone com a minha comadre. É sobre sentir falta de ser
amada e amá-lo. E desejar envelhecer tendo paz no coração. É olhar para o
lado e ver que tenho alguém que passou a vida inteira comigo e me fez feliz. É desejar fazer um cruzeiro de idosos, dançar na praia e mostrar as fotos dos meus futuros netos a qualquer pessoa que se dispor a ver. É sobre
confundir esses desejos com a minha realidade, e mascara-la todos os dias. É não
poder abrir mão. E nenhum dos dois irá pular do barco, mesmo que as crianças já
tenham. Nós continuamos ali, olhando um para o outro enquanto afundamos, sem se
ver. E sem se salvar. Todos vivem afogados em palavras não ditas e em palavras
ditas sem pensar. E alguns, vivem boiando sobre a superfície, apoiados em
memorias do que um dia foram juntos quando eram mar. E sabiam amar.
Milena Oliveira /
Tráfico de Conselhos
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