SALADA DE FRUTAS
Saiu de casa, e logo o arrependimento me atormenta. Não deveria estar tão agasalhado, é verão. O sol bate sobre o meu rosto confirmando que foi um erro ter colocado essa roupa, a sensação térmica é de quarenta graus. E as pessoas que caminham pela calçada estão com a vestimenta apropriada para tal, mas me recuso a entrar novamente dentro de casa. Eu deveria começar a ver a previsão do tempo, atentar-me mais ao que é inevitável. Atravesso a rua, enfrentando o calor. E após caminhar um quarteirão, sinto meu rosto derreter. Viro à esquerda, à direita e novamente a esquerda. O parque municipal surge a minha frente, é um bom dia para se estar lá com quem se ama. Eu deveria vir mais aqui, correr seria uma boa ideia e creio que meu cachorro adoraria o passeio. Continuo a caminhar, atravessando a rua e cortando caminho por dentro do parque. O suor escorre pelo meu rosto, e agoniado, resolvo parar e tirar a primeira blusa de frio. E ao arrancar a jaqueta, sinto um breve alivio que me faz suspirar. Seguro-a firme com a mão esquerda e com a direita, limpo o suor do rosto.
Escuto o som de risadas e viro-me para observar duas crianças correndo pela grama. O som é bonito, puro e inocente. Um casal de adultos sentados na grama vigiam as crianças, enquanto comem algo que se parece com salada de frutas. E volto a pensar, é um bom dia para se estar com quem se ama.
Escuto um barulho esquisito e com o olhar persigo o som até uma moça que está sentada em um banco atrás de mim. E percebo que estou parado bem a sua frente, tapando a visão e o sol.
- Desculpe. - Abro um sorriso envergonhado, dando dois passos para o lado.
Ela me encara, e sorri.
- Tudo bem. Não gosto de sol mesmo. - Firme, ela solta as palavras na minha direção.
- E o que faz no parque em pleno verão? - Rebato. E após notar minha grosseria, engulo em seco o ar.
- Buscando respostas. - Sussurrou tão baixo que mal pude ouvir.
- Espero que encontre o que procura. - Rapidamente, falo. E preparo-me para seguir meu rumo.
- Você... Você gosta de salada de frutas? - E desta vez, desvia o olhar de mim.
- O que?! - Sem entender, rebato.
- Salada de frutas, você gosta? - Ela repete. E não parece temer parecer maluca.
Então consigo entender a referencia da pergunta. Viro-me para olhar o casal a nossa frente e volto meus olhos novamente a ela. Ela os encara com o mesmo olhar que tive quando encontrei minha ex esposa no mercado após a separação.
- Digamos que é algo que consiga viver sem. E sejamos sinceros, nesse calor prefiro uma boa cerveja. - Tento quebrar o clima. Ela sorri com meu comentário, voltando a me olhar.
- Tem toda razão. - E volta a olha-los.
- E você, gosta de saladas de frutas? - E com um gesto de coragem, sento-me ao seu lado ignorando completamente meu compromisso.
- Eu costumava gostar, em um tempo, não tão distante. - E sua voz soa doce.
O silencio nos invade, fazendo me arrepender de ter sentado ao seu lado. Agora será constrangedor partir.
- Como algo que te pertencia, consegue pertencer a outra pessoa? E ser ainda melhor do que quando era seu. - Ela finalmente quebra o silencio. E meu coração arde.
- Nem tudo que a gente tem, pertence a nós. - E volto a encarar o casal. Queria que alguém tivesse me dito isso após eu ter visto a Anna empurrando aquele carrinho de compras, me pouparia de algumas noites em claro.
- E por que ainda me afeta desta maneira? Já se passou tanto tempo.
Lembro-me de Anna, caminhando pelos corredores do mercado. E do que senti ao vê-la seguindo a vida, sem nenhum vestígio do que fomos.
- Acho que em algum universo paralelo, era para ter dado certo. - Lembro-me do som da risada da Anna, seus dedos macios acariciando meu cabelo. E continuo a falar - Por isso essa sensação de pertencimento.
E lembro-me do seu olhar ao me ver na fila do mercado. Seu olhar surpreso.
- Acho que nunca mais vou querer comer salada de frutas. - Sorriu, tentando amenizar o clima que nos envolvia.
- E que tal uma cerveja? - Afasto a lembrança, virando na direção dela.
Ela me encara por alguns segundos, e abre outro sorriso.
Milena Oliveira / Tráfico de Conselhos.
Trecho de um livro que nunca será publicado.
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